Educação Infantil: breve histórico e reflexões

Ao começar a escrever este texto foi inevitável não recordar de como cheguei ao campo da Educação. Minha formação é em Pedagogia, curso que fiz na PUC-Rio (2006 – 2010). Iniciei a graduação sem muita certeza sobre o caminho profissional que queria seguir, quando, após a realização dos quatro estágios obrigatórios do curso, a curiosidade sobre as crianças e as práticas escolares passou a habitar o meu repertório de interesse. Com a realização dos estágios, especialmente os que foram em turmas de Ensino Fundamental e Educação Infantil, tive a oportunidade de elaborar relatórios, descrevendo o cotidiano escolar do qual estava participando. Dessa forma, o interesse pela observação, descrição e reflexão dos fenômenos que ocorriam em sala de aula se tornou uma constante.

Logo que terminei a graduação, comecei a trabalhar como professora regente em uma escola particular com uma turma de Educação Infantil[1]. Passei um ano nessa escola. Em 2012, após aprovação em concurso público, passei a atuar como professora de Educação Infantil na Rede Municipal do Rio de Janeiro. Em toda a minha trajetória profissional, sempre trabalhei com turmas de Educação Infantil. Atuando há sete anos nesse segmento, pude perceber o quanto as pessoas desconhecem e/ou tem uma ideia distorcida do que seria dar aula para crianças pequenas.

Quando perguntam qual a minha profissão e digo que sou professora de Educação Infantil, é muito comum ouvir: “que bonitinho”, “tem que gostar muito de criança”, “tem que ter muita paciência”, “tem que trabalhar por amor”, “as crianças só brincam”. Ao ingressar no Mestrado em Educação, uma colega, pedagoga, perguntou se eu continuaria trabalhando com Educação Infantil, pois, segundo ela, “estudar tanto para trabalhar com crianças pequenas e ganhando mal ninguém merece”. Recentemente ouvi de uma criança da minha turma a seguinte frase: “ano que vem eu vou estudar em uma escola de verdade”. “A escola que você estuda agora não é de verdade?” perguntei. “Minha mãe disse que aqui a gente só brinca, ano que vem [quando estiver no Ensino Fundamental] eu vou aprender muita coisa”. Todas essas falas mostram o quão desvalorizado é ser profissional da Educação Infantil. Não é necessário estudar para se trabalhar com crianças pequenas? Gostar de criança, ter paciência e trabalhar por amor é o suficiente? O que seria uma “escola de verdade”?

Segundo Kuhlmann Jr (1998), as primeiras tentativas, no Brasil, de organizar espaços de atendimento à criança surgiram com um caráter assistencialista, partindo da ideia de que as mulheres que trabalhavam fora de casa precisariam de um lugar para deixar seus filhos. Em 1899 foi fundada a primeira creche brasileira para atender os filhos dos trabalhadores das fábricas, com a criação de uma creche infantil por uma indústria têxtil da cidade do Rio de Janeiro. Esta medida também foi aderida por outras indústrias: creches populares foram criadas para atender as mães trabalhadoras (MORUZZI e TEBET, 2008). O atendimento à criança fora do lar passou a ser reivindicado como um direito de todas as mulheres trabalhadoras. Ganhou força a ideia de que esse atendimento possibilitaria a superação das precárias condições sociais a que a criança estava sujeita.

Kramer (1995), ao debater sobre esse assunto, ressalta que o discurso do poder público, em defesa do atendimento das crianças pobres parte de determinada concepção de infância. Essas crianças são consideradas “[…] carentes, deficientes e inferiores na medida em que não correspondem ao padrão estabelecido; faltariam a essas crianças, privadas culturalmente, determinados atributos ou conteúdos que deveriam ser nelas incutidos” (p.24). Por esse motivo e a fim de superar as deficiências de saúde e nutrição, assim como as deficiências escolares, são oferecidas diferentes propostas no sentido de compensar essas carências.

A ênfase na educação da criança de 0 a 6 anos se delineou, nas políticas educacionais no Brasil, nos anos 1970. Às crianças tidas como carentes de cultura foi colocada uma situação de desigualdade, transformando a educação em um meio pelo qual seria devolvido a ela o que é seu de direito. Com a preocupação de atendimento a todas as crianças, independente da sua classe social, iniciou-se um processo de regulamentação desse trabalho no âmbito da legislação.

A Constituição que vem assegurar os direitos da criança é a de 1988, e “[…] foi um marco decisivo na afirmação dos direitos da criança no Brasil” (LEITE FILHO, 2001, p. 31). A partir dela, a educação passa a ser um dever do Estado e um direito das famílias. Dois anos após sua aprovação, também foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, que, ao regulamentar o art. 227 da Constituição Federal, inseriu as crianças no mundo dos direitos humanos. De acordo com seu artigo 3º, a criança e o adolescente devem ter assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, para que seja possível, desse modo, ter acesso às oportunidades de “[…] desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (BRASIL, 1994). Nesse processo, destaca-se ainda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (Lei 9394/96) que define a finalidade da Educação Infantil em promover o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996).

A partir de 1996, com a LDB, foi que a Educação Infantil passou a ser entendida como a primeira etapa da Educação Básica, integrando-se aos ensinos Fundamental e Médio. O ingresso da Educação Infantil nos sistemas de ensino ocasionou implicações nas etapas subsequentes, por serem levadas a repensar concepções, rever práticas e adequar posições a partir das novas relações que se estabelecem. Porém, não se pode desconsiderar a busca permanente pela construção de uma identidade da Educação Infantil que seja capaz de resguardar suas especificidades, não sendo apenas um local salubre para as crianças ou um espaço preparatório para o Ensino Fundamental (CORSINO e NUNES, 2010).

A partir deste breve histórico, é possível compreender o que levou esse segmento da educação a ser tido, por muitos, como menos importante que as demais etapas de ensino. Inicialmente vinculada ao assistencialismo, não havendo uma preocupação com a formação dos profissionais para trabalhar com este segmento, tendo em vista que surgiu como um depósito, um espaço de acomodação de crianças enquanto pais e responsáveis estavam trabalhando. Passou a ser a primeira etapa da Educação Básica somente em 1996.

Com os avanços legais, a Educação Infantil muda o seu papel na sociedade, porém, ainda hoje, é possível encontrar instituições que funcionam de forma precária, com profissionais pouco valorizados e sem formação específica para atuar na área, salas superlotadas, sem materiais e espaços adaptados que não atendem as necessidades das crianças pequenas. Além disso, há uma indefinição sobre qual seria o papel da Educação Infantil: ela é à base para as demais etapas? Está vinculada à preparação da criança para atender às exigências de conteúdos e aptidões motoras exigidas no Ensino Fundamental? Acredito que ser a primeira etapa não necessariamente faz dela preparatória, mas sim uma etapa e como tal tem suas características e peculiaridades.

Fica evidente, diante dessas mudanças, que a Educação Infantil vem ganhando maior visibilidade tanto no âmbito político quanto no teórico, no qual é possível perceber uma nova forma de olhar para as especificidades das crianças. A criança é um indivíduo social inserido em sua classe, elas “não constituem nenhuma comunidade isolada, mas antes fazem parte do povo e da classe a que pertencem.” (BENJAMIN, 2002, p.94).

Há ainda um longo caminho a ser percorrido no que diz respeito às ações e programas do governo em busca de uma Educação Infantil pública de qualidade. O desafio é justamente colocar em prática as conquistas alçadas que, por vezes, ainda estão distantes da realidade.

Este texto foi originalmente publicado em 12 de junho de 2018 e pode ser encontrado aqui.

[1] Educação Infantil atende as crianças de 0 a 6 anos. É dividida em Creche (crianças de 0 a 3 anos) e Pré-escola (crianças de 4 a 6 anos).

Referências Bibliográficas

BENJAMIN, W. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, Ed. 34, 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Senado Federal, 1988

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Politica nacional de educação infantil. Brasília, DF: MEC/SEF/COEDI, 1994.

CORSINO, P; NUNES, M. F. R. Políticas públicas universalistas e residualistas: os desafios da educação infantil. Trabalho apresentado na 33ª Reunião Anual da Anped. Caxambu, 2010.

KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1995.

KUHLMANN JR., M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.

LEITE FILHO, A. Proposições para uma educação infantil cidadã. In: GARCIA, Regina; LEITE FILHO, Aristeo. (Orgs.). Em defesa da educação infantil. Rio de Janeiro: DP&A, 2001

MORRUZZI, A. B.; TEBET, G. G. de. Construindo infâncias. Revista sociologia ciência e vida. São Paulo: Editora Escala, 2008.

 
Aline Ricci é pedagoga, professora de educação infantil da rede municipal, especialista em educação infantil e mestre em educação.
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