Querida/o companheira/o progressista, você, acadêmica/o, universitária/o, indignada/o com esse furacão de bosta que tem sido o governo Bolsonaro, esse texto é para você. Sabe o programa que o Ministro da Educação Abraham Weintraub lançou ontem, 17/07/2019, o Future-se? Programa de mercantilização das universidades federais que está sendo colocado como primeiro passo para a privatização das universidades? Então, ela não é o primeiro passo. Nem o segundo na verdade. Essa caminhada privatizante já está aí há mais de década.
Como o próprio secretário de Educação Superior, Arnaldo Lima, reforçou em sua apresentação para o auditório cheio de reitores de universidades federais, as propostas ali colocadas não são novas, mas sim uma sistematização, fortalecimento e generalização de uma série de ações que já existem por aí nas universidades públicas e na legislação da ciência tecnologia e inovação (CTI) brasileiras.
Como já discutimos aqui no portal, o Marco Legal da CTI de 2016, assim como sua antecessora, a Lei de Inovação de 2004, legaliza e promove a submissão dos Institutos de Ensino Superior públicos aos interesses do setor privado. Já é incentivado que a universidade ceda seus espaços para empresas privadas nacionais ou internacionais. O pesquisador servidor público já é premiado caso utilize seu tempo de trabalho para gerar lucro para empresas. A captação e gestão financeira privadas já acontece por meio das Organizações Sociais, como a EBSERH, diversas vezes citadas na apresentação do Future-se.
Não tem nada de novo no discurso, na ideologia, na epistemologia ou na ontologia da política apresentada. As palavras de ordem seguem sendo inovação, gestão, meritocracia, empreendedorismo. O efeito imediato é fortalecer a lógica da competitividade, do produtivismo, da internacionalização como valor por si, da mercantilização da educação e da ciência. “Nós somos uma empresa que precisa ter um produto de exportação”, diz o secretário em referência ao conhecimento gerado pelas universidades.
O Arnaldo Lima diz que as medidas servem para aumentar a autonomia das universidades. Eu digo exatamente o contrário, sendo o orçamento público orquestradamente contingenciado e cada vez mais sujeito aos interesses privados, menor é a capacidade da universidade de estruturar suas agendas de pesquisa de acordo com interesses públicos e dialogados com a sociedade civil. E não precisa fazer muito malabarismo para entender que as ciências sociais e humanas, especialmente aquelas críticas ao governo e tudo que ele representa, serão as primeiras a serem subfinanciadas.
Em 2004, em 2016, na implementação das fundações/organizações sociais, a maior parte do conjunto de pesquisadores, a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) defenderam políticas privatizantes em nome do desenvolvimento da ciência. Eu não sou otimista o suficiente para achar que todos esses grupos vão agora ser contra o Future-se. Mas se eu tenho algo minimamente positivo a dizer é que provavelmente o programa não vai ser um sucesso. Isso porque esses anos de insucesso de parcerias entre universidades públicas e empresas privadas não foi devido a uma conjunto de profissionais universitários críticos, nem por uma legislação impeditiva. Seja no governo federal dito progressista ou no governo federal ultraconservador, o ímpeto privatizante esteve aí entre boa parte dos pesquisadores. O que não temos – e nunca tivemos – é uma elite brasileira com um projeto para o país e minimamente interessada na soberania nacional e no desenvolvimento de um setor produtivo tecnológico. Eles não investem nas universidades e na pesquisa nacional porque não querem e provavelmente assim vão continuar. A solução nunca virá de cima.
Bolsonaro já disse que a próxima prioridade de seu governo é privatizar as universidades. Nós estamos avisando já há algum tempo que esses projetos em nome da inovação, da gestão, da desburocratização são avanço na privatização da ciência e educação públicas. O pronunciamento do Ministério da Educação mais conservador do período democrático vem para comprovar isso. Mas não queremos ficar só no “eu avisei”. O problema de ser um crítico pessimista em tempos de furacão de merda é que a gente cansa de dizer “eu avisei”. Invés disso, companheiro, eu sugiro que a gente radicalize nosso projeto de universidade e ciência pra valer dessa vez. Por uma universidade democrática, popular, que seja o epicentro disruptivo de uma sociedade desumanizada.
Esse texto foi publicado originalmente em 18 de julho de 2019 e pode ser encontrado aqui.