Depoimento 4

Neste primeiro de maio, proponho aos leitores do portal uma breve reflexão sobre de onde nascem as pesquisas científicas. Determinar origens é sempre um desafio. Talvez, origem não seja uma boa palavra para o início de uma pesquisa científica, já que toda pesquisa é permeada por vivências anteriores, por valores, por opções etc. Contudo, um dos momentos mais importantes no processo de concretização de uma pesquisa é o que alguns chamam de definição do “objeto” a ser investigado. Tal definição tem relação não somente com o interesse do pesquisador, mas também de seus orientadores, dos coletivos que os abrigam (como laboratórios universitários, governamentais ou empresariais), e de seus financiadores.

Como pode-se imaginar, portanto, a quantidade de pesquisas científicas sobre determinados temas tem relação com a capacidade de mobilizar tais atores para tal finalidade. Pode-se assim pensar nas dificuldades de se efetivarem pesquisas e linhas de pesquisa (geradores do que se convencionou chamar Ciência) mais orientadas a investigar conhecimentos e práticas de/para grupos menos visibilizados, por exemplo, relacionados aos trabalhadores, aos movimentos sociais, às periferias, às mulheres, aos negros, aos LGBTQIA+.

Particularmente, tive sorte em trilhar caminhos em que encontrei ambientes acolhedores para investigar “Softwares livres, economia solidária e o fortalecimento de práticas democráticas: três casos brasileiros”, no mestrado, e as “Digitalizações de Moedas Sociais no Brasil e suas (pré)Histórias: tensões e mediações com Estados, mercados e tecnologias”, no doutorado. Venho tendo a imensa alegria de dialogar com lideranças comunitárias / pesquisadores como Marcos Rodrigo, que a partir de uma favela gerou a dissertação “Banco Comunitário no Preventório: uma experiência de Economia Solidária”. Tive a felicidade de conhecer investigadores como Clécio Cardoso, que defendeu a dissertação “’Tem gente que nem entende o que a gente está fazendo, ainda’: a emergência do ativismo digital antirracista no Brasil” e Anderson Oriente, que produziu a tese “Análises dos fatores para implantação e consolidação de um banco comunitário em território popular. O caso do banco comunitário da Cidade de Deus”, ambos negros que escolheram produzir conhecimento científico sobre grupos marginalizados historicamente. Convivi ainda com jovens pesquisadores doutores, como Carolina Pupo, investigando as “Finanças solidárias no Brasil. Bancos comunitários, moedas locais e a força dos lugares” e Bruno Chapadeiro, que traçou “O panorama atual das perícias em trabalho-saúde no Brasil: a construção das perícias em Saúde do Trabalhado”.

Esses breves exemplos com que me relacionei nos últimos anos dialogam com outros, como o de Mariele Franco, que produziu “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: uma Análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”, sua dissertação de mestrado. Entendo que eles apontam para uma produção “autônoma” da ciência, no sentido de uma produção de conhecimento especialmente sobre / por / para populações pouco visibilizadas e priorizadas no Brasil de hoje (e de há muito tempo). Daí a importância do fomento a programas como o “Ciências sem fronteiras”. Daí a relevância na luta pela autonomia universitária, de forma que as pesquisas ali conduzidas tenham mais chance de uma relativa pluralidade, menos enviesada por interesses econômicos. Daí a relevância na democratização dos espaços de fomento à pesquisa e dos indicadores de avaliação (muitas vezes estimulando pesquisas em assuntos de pouco interesse para trabalhadores, periferias e mesmo para nosso país). Daí, finalmente, a urgência pela aproximação da pesquisa com o ensino e especialmente com a extensão universitária, para que os trabalhadores, o povo, de fato perceba o papel das ciências e das universidades – sendo, também, um aliado no seu fortalecimento.

Parabéns pelos 4 anos do Portal Autônomo de Ciências! Vida longa a um espaço que contribui para este e outros debates contemporâneos!!

Luiz Arthur Silva de Faria, trabalhador da Petrobras, participante do grupo de base de trabalhadores petroleiros Inimigos do Rei, e pesquisador pós-doutorando na Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) e na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).

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