A Semana de Arte Moderna foi realizada em São Paulo. Capital da oligarquia do café. Capital do capital no Brazil (dos Estados Unidos). Café: ouro negro enchendo os cofres dos barões com o trabalho escravizado de negros, depois em parte “substituídos” por imigrantes pobres brancos europeus, principalmente italianos e espanhóis, e japoneses. Sem reforma agrária. Sem roça pra preto que foi escravizado. A fazenda, o porto, a cidade a serviço do exterior. Adoçar o estrangeiro e importar pra ser chique. Subdesenvolver aqui pra desenvolver lá.
Mas é 1922. Tem rebuliço na Zorópa. Dadaísmo, futurismo, cubismo, expressionismo, surrealismo… As artes revolucionadas buscam revolucionar a vida cotidiana. Se é pra importar, importemos! Agora nós vamos beber (em) poemas: o café é nosso!
São Paulo Railway: da Maria-Fumaça ao arranha-céu. A fumaça do café a (sub)desenvolver a fumaça das torres da indústria. Bandeira paulistamericana no topo do Empire State Building da Nova Iorque bandeirante. Mas no subsolo tem capiau, pião, mindingo… Povão. A cidade subterrânea crescendo nos bueiros da metrópole burguesa, mesmo sendo pisada todo dia. Parte vai ser massacrada, parte vai ser cooptada, mas parte vai virar partitura de realejo a entregar profecias pro povo. Profecias que serão li(n)das nas quebradas, nas ruas esquecidas e no topo do Empire State Building metropaulistano. O poema de cada dia nos dai hoje. O poema de cada dia façamos nós mesmos. O poema de cada dia somos nós mesmos.
Ouvimos do (Posto) Ipiranga às dolarizadas marginais que a dependência é chique. O petróleo é Esso, gargalha cheio da grana. A revista Klaxon, filha da Semana de Arte Moderna, não pode prosperar, decide a pré e pós-moderna ExxonMobilizando o Monopoly liberal. Mas 1922 está em busca do povo brasileiro. A crise de 1929, crise do liberalismo capitalista, derruba o café. Getúlio ocupa o poder político central e define que o país não pode ficar à mercê do café-com-leite. Industrializar é o novo lema. 1932: barões do café e aliados tentam, com armas, manter as suas oligarquias, paulistocêntricas, no domínio do país. Vão continuar muito ricos, mas vão perder essa batalha. Getúlio vai no estádio de futebol e declama Trabalhadores do Brasil. Yrigoyen, na Argentina, já tinha mandado essa letra. Um Estado burguês, mas em que o governante atua pra que todo o povo possa beber o cafezinho nosso de cada dia, contanto que não perturbe a ordem. O suficiente pra ser odiado pelo New York Times e, a partir daí, pelo Estado de S. Paulo. Os liberais que geraram a crise de 1929 detestam o keynesianismo que salvou o capitalismo da sua crise com copyright. O Brasil não pode se desenvolver; apenas os ricos enricar cada vez mais.
O Posto Ipiranga não quer a Petrobrás. Vai sabotá-la desde o início. Antes mesmo de ser criada. Mas, em 1953, o povo vai criá-la e Getúlio vai assinar sua certidão de nascimento, com o general Horta Barbosa de padrinho. Os generais Motors e Electric conspiram contra a obra do Horta Barbosa. A Quinta Coluna nunca desiste.
São Paulo, a capital usamericana do Brazil, é contra o Getúlio e contra a Petrobrás. Mas, pela sua importância estratégica na economia e no território do Brasil, a maioria das refinarias da Petrobrás ficou lá. E muitas outras partes da mais estratégica empresa do Brasil. Isso beneficiou muito São Paulo, mas, mesmo assim, o espírito de 1932 continuou assombrando, escondido, o Brasil. Hoje a tecnocracia privatista da joint venture Wall Street-Bovespa está destruindo a Petrobras (já desconfigurada com a retirada do acento que lembrava Getúlio). O aprofundamento aceleradíssimo da privatização da Petrobras é peça-chave do também aceleradíssimo aprofundamento da (re)colonização do país. Com a espada-varinha mágica do mito da neutralidade da técnica, os barões da oligarquia defendem a OILgarquia contra o povo brasileiro. E, controlando a Petrobras, a transformam num Posto Ipiranga a favor da Shell, da Total, da Exxon…
Apesar disso, São Paulo é contraditória. Dentro de São Paulo, tem Sum Paulo. E Sum Paulo sabe, mano, que barão não vale um tostão. No fundo, sabe. Que o Brasil se faz com Brás e Petrobrás. Que o ouro negro é o povão. Sum Paulo sabe.
O sapateiro anarquista espanhol do Brás e o brasileiro descalço passado sempre pra trás concordam: o Santander não deve ser um farol, ainda mais que o banco participa diretamente da privatização da Petrobras. O sol somos nós.
A Semana de Arte Moderna de 1922 é contraditória, como a Paulicéia Desvairada. Mas é uma síntese de parte do que permitiu, por ter ido em busca do povo brasileiro, por ter se empenhado por uma arte revolucionária nossa, o movimento que criou a Petrobrás. Nos inspiremos, sem copiar, pois precisamos de uma Petrobrás do povo. E isso passa por uma revolução, inclusive estética.
Bora, Sum Paulo. O petróleo é nosso!
Antony Devalle é trabalhador da Petrobrás e integrante do grupo autônomo de trabalhadores petroleiros Inimigos do Rei. É um dos fundadores e editores do Portal Autônomo de Ciências.