“Quebrado o atual ciclo, com o Brasil livre do crime, da corrupção e de ideologias perversas, haverá estabilidade, riqueza e oportunidades para todos tentarem buscar a felicidade da forma que acharem melhor.”
De onde seria essa frase? Buscar a felicidade, quebrando o atual ciclo (qual?), ideologias perversas. Não dizendo a fonte dessa citação e somando o título do presente texto, num primeiro momento podemos até pensar que ela foi dita em algum púpito neopentecostal, com suas costumeiras pregações sobre a prosperidade, sobre a prometida felicidade eterna que encontraremos no além se seguirmos exatamente as ordes de Deus, afinal, é Deus acima de todos. De qualquer forma, para não restar mais dúvidas do que falo, adicionarei uma 2ª citação, que pode ser encontrada algumas páginas depois de onde peguei a 1ª, vejamos:
“Nos últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo, se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira“
Aparentemente desde 1988 vivemos sob a égide do marxismo cultural (que seria o que, afinal?). Para melhor contextualizar, José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer vêm operando, continuamente, pela manutenção do comunismo brasileiro. É provável que você, ao ler isto, tenha rido, ou pensado “mas que besteira é essa que ele está falando?!” Idepentende da reação que você teve, é neste ponto que quero chegar: mas do que é que ele está falando? Deixando o mistério de lado, eis a revelação: todas essas citações foram tiradas do Projeto Fênix (sim, é exatamente isso), mais conhecido como Proposta de Plano de Governo de Jair Messias Bolsonaro, registrado no TSE[1]. No entanto, o que mais me assombra não é o quão absurdo é este projeto, mas o fato de 49.276.990 pessoas concordado com ele no 1o turno destas eleições e, o que me assombra mais ainda que, diferente de 1964, momento que o autoritarismo chegou ao poder via golpe, em 2019 o fascismo pode chegar a presidência via voto popular. A democracia representativa cavando sua própria cova.
Diante deste cenário aterrador, é comum nos pegarmos pensando no que fazer, visto que argumentação, notícias com fontes confiáveis, vídeos exibindo discursos de ódio de Bolsonaro, etc, não têm funcionado para minar a convicção de seus eleitores, que vêm se comportando mais como fiéis que gritam amém para cada frase enfática de seu pastor. Ao que parece, o apelo à razão e aos fatos já apodrece na cova. Bom, diante disto, lanço novamente a pergunta: O que fazer? Seria muita prepotência minha achar que possuo a respota para esta pergunta, resposta que inclusive todo o campo progressista parece não ter, mas aproveito este espaço para condensar contradições dentro do que hoje já chamam de bolsonarismo. Já que tudo que não é dito pelo Messias (ou arauto do fascismo) é fake news da mídia comunista, vamos explorar suas palavras, seus escritos, criar formas para que seus eleitores expliquem o que as vezes parece que nem eles entendem muito, mas defendem. Entremos no mundo do bolsonarismo.
“O caminho da prosperidade” de Jair Bolsonaro
Sob este título se apresenta o suposto plano de governo de Bolsonaro. É possível ver desde o início palavras como FAMÍLIA, PROPRIEDADE PRIVADA, VERDADE, DOUTRINAÇÃO (sim, todas elas destacadas desta forma, com letras garrafais), entre outras frequentemente encontrado no vocábulo neopetencostal – liberal. O projeto do chamado mito faz jus ao seu apelido, trazendo a todo momento crendices que permeiam o ideário do senso comum, principalmente daqueles atacados diariamente pelas violentas falas dos ditos profetas de nossa sociedade “moderna”. Afirmações como que as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) teriam espalhados filiais pelo país, promovendo assim a epidemia de crack atual (pg. 12 do projeto e sem fundamentação alguma, obviamente), ou então que “Mais de UM MILHÃO de brasileiros foram assassinados desde a 1ª reunião do Foro de São Paulo” (pg. 12 também), o intitulado Projeto Fênix segue a tônica de seu vocalizador, com afirmações sem qualquer base factual, apelando para o discurso de terror que permeia a sociedade brasileira (endossado pela grande mídia e seus sanguinários jornais policiais) e do medo ao Outro (que se desprende da ameaça comunista da Guerra Fria e se desdobra em feministas, LGBT+, negros e movimentos sociais).
Paralelo a estas afirmações, pinta-se como salvador da família tradicional brasileira o liberalismo econômico, que é “historicamente o maior instrumento de geração de renda, emprego, prosperidade e inclusão social. Graças ao Liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo.” (pg. 13), afirmação intrigante (e sem qualquer dado) a ser feita, vide o mundo capitalista que vivemos, cujo desemprego e miséria só aumentam. Algo que para nós parece absurdo e contraditório, mas que dialoga perfeitamente com o ideário da população e a naturalização dos processos sociometabólicos do capital, Bolsonaro também se utiliza da estratégia de constantemente afirmar que fará uma economia sem viés ideológico através do liberalismo, afinal de contas, o capitalismo sempre existiu, sempre existirá e a ideologia da não ideologia é o que nos rege.
Caminhando para os planos a serem tocados pelo Ministérios, gostaria de destacar os da Saúde e Educação (que aparecem juntos no projeto) e Inovação, Ciência e Tecnologia. Para saúde o projeto traz propostas como:
“Credenciamento Universal dos Médicos: Toda força de trabalho da saúde poderá ser utilizada pelo SUS, garantindo acesso e evitando a judicialização. Isso permitirá às pessoas maior poder de escolha, compartilhando esforços da área pública com o setor privado. Todo médico brasileiro poderá atender a qualquer plano de saúde.”
“UM EXEMPLO DE PREVENÇÃO : Saúde bucal e o bem estar da gestante. Estabelecer nos programas neonatais em todo o país a visita ao dentista pelas gestantes. Onde isso foi implementado , houve significativa redução de prematuros”
Além do claro sucateamento do SUS e abertura maior ainda para o setor privado, que já ataca ferozmente a saúde pública desde a redemocratização, podemos ver a nebulosa proposta de tratamento dentário para gestantes pois, como foi dito pelo candidato um tempo atrás, aparentemente cáries é uma das causas de nascimento prematuro[2]. Apesar de dizer que “Onde isso foi implementado , houve significativa redução de prematuros”, não é possível encontrar no documento dados de onde, como e os resultados da implementação deste procedimento. Educação se apresenta logo de cara com a seguinte frase: “Conteúdo e método de ensino precisam ser mudados. Mais matemática, ciências e português, SEM DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE. Além disso, a prioridade inicial precisa ser a educação básica e o ensino médio / técnico“. Métodos que não são ditos quais, doutrinação que não é explicada o que é nem como ocorre (brilhante estratégia, pois cola-se diretamente a isso o terror do Outro que aparece a todo momento no projeto), além da defesa da educação a distância desde as série iniciais. Se juntarmos tudo isso a projetos como o Escola Sem Partido[3], têm-se a destruição do espaço escolar como espaço de convivência da diversidade e pluralidade.
A lógica que irá ditar a Ciência, Tecnologia e Inovação no país é declarada também logo em suas primeiras frases:
“O modelo atual de pesquisa e desenvolvimento no Brasil está totalmente esgotado. Não há mais espaço para basear esta importante área da economia moderna em uma estratégia centralizada, comandada de Brasília e dependente exclusivamente de recursos públicos“
Após isto, encontramos a defesa da implementação da disciplina empreendedorismo nas grades curriculares de todos os cursos das universidades, pois desta forma seria possível o desenvolvimento de tecnologias para serem aplicadas no setor privado, gerando riqueza e vagas de trabalho, além da possibilidade de que toda pessoa ao se formar possa abrir sua própria empresa. O documento ignora completamente as áreas das humanidades e artísticas.
Nós não podemos cair no medo. O medo é uma arma do fascismo
Mesmo após ter lido e relido o projeto, refletido sobre ele e condensado certos aspectos neste texto, continuo sem saber o que fazer, assim como você que lê agora talvez não saiba e aqueles e aquelas que não leram este, mas leram outros, também não saibam. Não se preocupe, não há problema nisso, a reflexão é algo árduo e longo, pragmática e sempre com “respostas” pra tudo é sua antagonista, a ignorância, outra arma do fascismo. De qualquer forma, resgato a pergunta: O que fazer? Essa maré de ódio não será virada agora dia 28, nem no dia 29, nem no dia posterior a este, o fascismo está posto e teremos que combatê-lo. Inclusive o pensamento fascista brasileiro não nasceu com esse candidato, não nasceu nessa eleição, e, infelizmente, não vai morrer em uma possível derrota de Bolsonaro. Pensar no que fazer é difícil, talvez até impossível dada a complexidade de nossos tempos, entretanto o que não devemos fazer seja menos árduo de dizer. Agora sim, migrando a escrita deste texto do eu para o nós, esse nós tão esfacelado pelo individualismo e mercantilização de nossa sociedade, mas que existirá enquanto nós existirmos.
Antes de tudo, não devemos ter medo. Como foi adiantado pelo título desta parte do texto, o medo nos imobiliza, o medo nos divide, o medo torna nossa existência invisível. Portanto, por mais aterrorizante que seja nossos tempos, não devemos ter medo de amar, medo de sorrir, medo de fazer o que gostamos, de falar o que pensamos, pois no momento que pararmos de fazer isso, não mais existiremos. Não podemos perder nossa calma, nosso horizonte de ruptura, nem nada que nos caracteriza na transgressão da ordem sistêmica atual, ou seja, não podemos parar de produzir arte, literatura, ciência, reflexão, dança, cultura e tudo mais que nos humaniza. Aquilo que um dia eram apenas olhos sinistros a espreita na escuridão, hoje toma forma, toma corpo, conseguimos ver suas garras, os olhos, que se revelam um monstro, joga sobre nós uma noite escura, sem Lua e sem estrelas. Mas nós somos a noite, nós somos o dia, nós somos a vontade de lutar, nós somos a vontade de construir uma sociedade justa, igualitária e livre. Livre de opressões, livre do opressor, livre daquilo que nos quer acorrentados e acorrentadas. Nós somos.
Esse texto foi publicado originalmente em 24 de outubro de 2018 e pode ser encontrado aqui
↑[2]https://www.youtube.com/watch?v=AqxvEU5Vqm0
↑[3]https://midiaindependente.org/?q=node/555